Affordances – Platão

Para Platão, a realidade se divide em duas partes: a primeira parte seria o mundo dos sentidos, do qual temos um conhecimento aproximado, já que para isso utilizamos nossos cinco imperfeitos sentidos. Neste mundo dos sentidos, tudo “flui” e, consequentemente, nada é eterno, as coisas simplesmente surgem e desaparecem. A outra parte seria o mundo das ideias, do qual podemos ter um conhecimento mais seguro, já que para isso usamos nossa razão. Este mundo das ideias não pode, portanto, ser conhecido através dos sentidos. Em compensação, as ideias (ou formas) são eternas e imutáveis.

James Gibson, autor de The Theory of Affordances, afirma que affordances são “num certo sentido objetivas, reais e físicas, em vez de valores e sentidos, que se supõe serem subjetivos, fenomênicos e mentais” (1986: 129). Mas Renata Gomes, em seu texto O design da narrativa como simulação imersiva, complementa que “o conceito de affordance atravessa a dicotomia do subjetivo-objetivo (…). Ela é igualmente um fato do ambiente e um fato do comportamento. É tanto física quanto psíquica e, ao mesmo tempo, nenhum dos dois.” Dessa maneira podemos considerar que exitem affordances tanto no mundo dos sentidos como no mundo das ideias, mas de maneiras diferentes.

Sendo assim, cada um desses mundos permite interações diferentes (affordances – aquilo que o ambiente oferece ao organismo que nele habita) e impõe limitações diferentes (umwelt – modo como o organismo percebe as limitações de espaço e tempo do mundo que habita em relação aos seus sentidos dependendo de como seu corpo se relaciona com o ambiente). Se em um game a sensação de presença no seu ambiente só pode ser alcançada a partir do momento em que o contato com objetos e demais elementos do mundo do jogo simulem aspectos daquilo que compartilhamos como sendo o comportamento de objetos no mundo real, devemos tomar como referência o funcionamento das coisas no mundo das ideias, onde tudo segue a razão, para podermos saber como lidar com aquilo que faz parte do mundo dos sentidos e depende da nossa interação física.

Para exemplificar a visão de Platão, considere um conjunto de cavalos. Apesar deles não serem exatamente iguais, existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, um exemplar isolado do cavalo, este sim “flui”, “passa”. Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira forma do cavalo é eterna e imutável. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existe a “ideia cavalo“, a “ideia porco” e a “ideia homem“. Partindo da “ideia cavalo” podemos ter uma noção do que esperar de um cavalo no mundo dos sentidos, onde nossa relação com ele dependerá dos nossos sentidos.

E como diria Platão, “A vida é um grande combate“, e o jogo Filosofighters aproveitou o conceito da batalha de ideias para possibilitar o enfrentamento de diversos pensadores, como Platão, Marx, Nietzsche e Sartre, entre outros. O game funciona basicamente da mesma maneira que o Faith Fighter, e cada um dos personagens possue poderes que tem alguma relação com suas teorias. Platão, por exemplo, possue dois golpes: O mundo das ideias e  A Caverna.


O jogo foi desenvolvido para a revista Superinteressante no meio desse ano, vale a pena jogar! O mais legal é que no desafio final você deve lutar contra você mesmo para consolidar sua própria teoria.

A linha entre o ideal e o real é tratada desde A Caverna de Platão, mas com a realidade virtual esse limite se torna ainda mais tênue.


1 comentário

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Uma resposta para “Affordances – Platão

  1. @renatagames

    Ótimo tentar fazer a conexão entre Platão e affordances/Umwelt, mas preciso apenas lembrar que ela não é assim tão avant la lettre, até porque o Umwelt do game não precisa simular necessariamente affordances do mundo real, o que ele precisa é simular bem um sistema orgânico de affordances. Mas valeu o texto e o exemplo do jogo – é exatamente isso o que eu peço de vocês 😉

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